segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Cruzando o Equador com a benção de Netuno

Imigrantes italianos no convés do veleiro Anna Pizzorno

É bem brega, mas acho que vou pedir para a comissária de bordo avisar pra fazer um brinde quando estivermos passando pela Linha do Equador. Afinal, há duas histórias interessantes sobre essa passagem que envolvem minha família, de lado de mãe e pai. Por isso envolvem também a Itália e essa viagem. Do roteiro da guerra eu já falei. A outra história aconteceu muitos anos antes, em janeiro de 1875, com membros de famílias embarcadas naquela que acredito ter sido a primeira imigração em massa de italianos para o continente americano, ou a “Mérica”, como eles falavam.

Eram cerca de 50 famílias de sul da Itália e outras 50 do norte, principalmente das cidades de Modena, Concordia Sulla Secchia e Novi di Modena. O navio era o veleiro Anna Pizzorno, o antigo vapor Estrela do Norte, do qual haviam retirado as máquinas. Era extremamente lento. De forma que a partida de Gênova ocorreu a 20 de dezembro de 1874 e a passagem pelo Equador deve ter acontecido só na segunda quinzena de janeiro.

Foi grande a ansiedade dos colonos pela passagem da linha divisória do mundo. As histórias se multiplicavam, espalhadas em grande parte pelos marinheiros da tripulação. Uns diziam que não era raro o próprio Netuno, rei dos mares, aparecer no momento. E todos teriam que fazer um novo batismo, com água do mar, para que Netuno deixasse que eles passassem. Também havia a necessidade de fazer o ritual do grande pulo, para atravessar de fato a linha. Alguém lembrou que a ocasião geralmente era comemorada com uma festa. Nisso todos concordaram logo.

Assim foi feito naquele dia, em que a passagem pelo Equador ocorreria no final da tarde. Realizaram uma mascarada, regada a doses de vinho. Como acontecia nas noites, os colonos dançavam em grupo a “manfrina” ou a “tarantella” ao som de um pequeno órgão e uma cornamusa. Como fantasias, os homes se vertiam com roupas de mulheres e vice-versa. Todos com o rosto pintado de carvão, tirando gargalhadas até dos que estavam com medo de que tudo se inverteria ao passar para o outro lado do mundo, com o que está em cima ficando em baixo, homens virando mulheres, brancos virando negros e assim por diante.

Na hora marcada, um marinheiro anunciou a cerimônia do grande pulo, para que a viagem fosse tranqüila. Como altar, apresentou um tonel cerrado ao meio, sobre o qual haviam sido colocadas tábuas.

Às seis da tarde, o sino de bordo deu o sinal para o início da cerimônia. Mal começou e surgiu Netuno, que foi recebido pelo comandante. Todos que estavam no convés rodearam o altar improvisado. Após um discurso, o comandante perguntou pelo jovem mais corajoso, para que desse o grande pulo. Um jovem de Mantova, chamado Ferdinando Miglioli, se apresentou. Era um tipo galhofeiro que gostava de contar histórias e trajava vestes apropriadas para o momento: um vestido longo emprestado. Ouviu de Netuno que, como penitência para cruzar o Equador em segurança, teria que correr pela ponte e saltar sobre o altar improvisado. Assim fez. Ao pisar no alto, entretanto, as tábuas cederam e o jovem caiu no tonel, que todos notaram estar cheio de água. As gargalhadas encerraram a cerimônia.

Quase 70 anos depois, início de julho de 1944, no Navio General Mann, desta vez indo pra Itália, Netuno voltaria a marcar presença. É o que escreveu Italo Diogo Tavares:

“A passagem do equador foi um dos episódios do qual jamais me esquecerei. O comandante do ship ofereceu um prêmio de 200 dólares para quem primeiro avistasse a Linha do Equador. Às três horas da tarde, atravessamos a tradicional linha imaginária. Houve a comemoração desse grande acontecimento. Tivemos a visita do rei Netuno, o soberano dos mares. Depois de benzer a todos nós e nos desejar boa viagem, ele permitiu que atravessássemos a linha. Todos os oficiais receberam um diploma alusivo ao fato”.
 
Se Netuno levar em consideração meus precedentes familiares e permitir minha passagem, em breve teremos mais novidades.

17 comentários:

  1. algum familiar seu estava neste navio?

    ResponderExcluir
  2. Na verdade descendo de quatro destas famílias: Provasi, Maretti, Sgarbi e Marassi, fundadoras da colônia italiana do hoje município de Porto Real, RJ.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. o meu descendente era o Enrico Secchi que foi o responsavel por essas familias italianas

      Excluir
    2. Sem dúvida, e deixou um importante livro em que narra essa história. Tenho uma cópia deste livro: I miei 56 anni in Brasile.

      Excluir
    3. Bacana Diogo eu tb descendo. Flavio Sgarbi

      Excluir
  3. Também temos a copia,estou fazendo um trabalho para escola sobre meu tataravô Enrico. voce tem mais alguma foto do navio?

    ResponderExcluir
  4. Não tenho. Esta eu achei através de pesquisa na internet, mas não consegui me assegurar 100% de ser uma imagem do Anna Pizzorno.

    ResponderExcluir
  5. Olá Sou descendente dos Sgarbi e estou tentando juntar o quebra-cabeça. Onde posso achar a lista de passageiros do navio? Tem ideia?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Marcelo, a lista dos passageiros deve ter no Museu do Imigrante, em Porto Real. Esta imigração é anterior ao início dos levantamentos existentes on line, se não me engano a partir de 1890. Mas podemos até ser parentes, pois minha bisavó se chamava Regina Sgarbi, casada com meu bisavô Faustino Provasi. Ambos nasceram em Concordia Sulla Secchia, Itália, cidade uns 40 km distante de Modena, MO. Ele em 1868. Espero ter ajudado.

      Excluir
  6. Oi, Marcelo, encontrei aqui nas minhas anotações que a Regina Sgarbi era filha de João (Gianni ou Giovanni) Sgarbi e Amalia Sina. Creio que os três e mais alguns familiares estavam no navio.

    ResponderExcluir
  7. Sou trineto de Luigi Sgarbi, italiano de Novi di Modena que chegou a Porto Real certamente neste navio. Diogo Tavares, você tem mais informações? Obrigado!

    ResponderExcluir
  8. Oi, Paulo, desculpe a demora em responder. Provavelmente somos parentes. Minha bisavó era Regina Sgarbi, que veio da Itália criança, com os pais João e Amalia, e casou em Porto Real com o também imigrante Faustino Provasi, meu bisavô. Luigi deve ser irmão ou tio dela.

    ResponderExcluir
  9. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  10. Oi, Diogo. Desculpe, só agora estou vendo sua resposta. Fiz inúmeras pesquisas e consegui descobrir muita coisa. Imigrantes de Novi di Modena, província de Modena: Giovanni Sgarbi, Antonio Sgarbi, Luigi Sgarbi e Regina Sgarbi. Giovanni, pai de Regina. Antonio, pai de Luigi. Acredito que Giovanni e Antonio eram irmãos e, portanto, Regina e Luigi eram primos. Tenho mais informações, detalhes, inclusive dos seus antenati. Se quiser saber entre em contato comigo. Abraços .

    ResponderExcluir
  11. Olá Paulo...tudo bem!!! Também estou realizando pesquisa a respeito dos meus antenatis,também fizeram parte da Colonia de Porto Real , são eles os Gherardi (na colonia ficou Gheraldi/Gueraldi)e os Berardo. Conheço a Casa do Imigrante de Porto Real. Você utiliza o FamilySearch?

    ResponderExcluir
  12. BOA NOITE A TODOS...Este blogger ainda está em atividade?Minha familia por parte paterna também viveu na Colonia conforme eles chamavam..eu visitava as vezes Porto real sendo a ultima vez em 2019 antes da pandemia..Agora retornei a pesquisa pois minha intenção é reunir todas as informações num livro..Convive com muitas destas familia Sgarbi, Orioli, Ferreti,a minha é Bergianti..Passando a pandemia voltarei a Itália com um grupo de genealogistas..gostaria de manter contato com vcs se for possivel...Telma

    ResponderExcluir